Como manter a consistência do seu personagem

Quando ilustramos um livro, um dos desafios que se apresentam é o fato de que teremos que desenhar o mesmo personagem várias vezes. Nem sempre é fácil, principalmente no começo. Depois de um tempo e algumas (várias!) tentativas, acabamos conseguindo manter uma certa consistência no nosso personagem.

Há algumas dicas que podem ser seguidas para que o personagem fique similar em todo o livro. Note que eu falei ‘similar’, porque mesmo na vida real, a fisionomia de uma pessoa muda dependendo da expressão dela. Por isso, há algumas características que tem que se manter constantes.

1. Simplifique

A primeira dica para ilustrar um personagem de livros infantis é manter o personagem não complicado. Como mencionei na aula ‘Desenvolvendo um personagem’, no Worskhop Quero me tornar Ilustrador, temos que lembrar que o personagem deve ser ‘repetível’, ou seja, suficientemente simples para ser repetido em todas as páginas sem grande esforço.

Se, por exemplo, eu fizer uma princesa com uma coroa cheia de pérolas… pode ser muito cansativo. Se eu fizer 24 pérolas na coroa, vezes 32 páginas, vou ter que desenhar 768 pérolas no livro! Já imaginou?

2. Faça uma ‘turnaround page’ – Folha de Posições do Personagem

A ‘turnaround sheet’ é uma página de referência das posições mais usadas para personagens. Não é obrigatória num livro infantil, uma vez que o tipo de ilustração em livros infantis não segue regras. Cada ilustrador pode criar seus personagens como desejar, até mesmo com pedaços de papel, materiais reais (ex: pregador de roupa para um jacaré), etc… mas é extremamente usada para concepção de personagens em animações.

3. Mantenha proporções

Embora os traços sejam simples, observe as proporções que a cabeça, olhos, nariz e boca tem. A variação de tamanho desses elementos pode modificar totalmente o personagem. Outra medida a se observar é a distância entre esses elementos. Se os olhos estão muito juntos numa página, e muito separados na outra, isso também vai confundir o leitor.

4. Vestimentas

Como o livro infantil tem em geral 24 a 32 páginas, manter o personagem com a mesma roupa ajuda o leitor a identificar o mesmo. Ou seja, como o personagem aparece poucas vezes, não dá tempo do leitor se acostumar com a fisionomia dele a ponto de reconhecer o mesmo, caso ele mude de roupa. Isso não é uma regra inflexível, e pode acontecer de no livro a personagem trocar de roupa, mas isso geralmente é mencionado.

5. Formas

Ao usar uma face em formato triangular, por exemplo, você define o tipo de rosto que o personagem vai ter. Um outro personagem pode ter a face redonda, outro mais quadrada, e outro ainda uma face mais oval. Além desses formatos, você pode inventar outros. Lembre-se, porém, de manter as proporções para que não fique muito diferente.

Use e abuse de formatos diferentes de olhos, nariz e bocas. Veja meus vídeos sobre formatos de olhos no meu canal do Youtube. (Aqui e aqui)

Varie também os formatos de corpo, altura e até tipos de dedos. Isso vai ajudar a compor o personagem como um todo, e vai também ajudar a identificar o mesmo em todas as páginas.

6. Acessórios

Somos todos diferentes. Cada um gosta de uma coisa. Um personagem terá boné, outro terá cabelo espetado, outra terá tranças… As características que cada um tem os tornam especiais. Tente usar um acessório diferente para cada personagem, pois isso vai ajudar a compor a personalidade dele e fazer com que fique mais consistente em todas as páginas.

7. Cores

Cores, padrões e texturas fazem muita diferença. Como, por exemplo, eu identifico uma onça e um tigre? Pelos padrões de listras ou pintas.

Quando você desenha um personagem, os padrões das roupas, o estilo, as cores e as texturas definem em muito cada personagem.

Cor dos olhos, dos cabelos, da pele… são características que auxiliam na hora de conceber seu personagem e diferenciar um do outro. Assim, mesmo que o personagem esteja em outra posição, ou meio distorcido em algum ponto, será reconhecido pelo leitor.

Sobre distorções, repare no movimento dos personagens de desenhos animados e pare o filme na hora em que estiverem se movimentando. Você vai notar como são distorcidos para enfatizar algum movimento ou expressão, mas são construídos de forma que os reconhecemos.

Concluindo: ao usar essas estratégias, você vai perceber que, mesmo que o personagem não fique igual em todas as páginas, ele terá consistência suficiente para ser reconhecido pelo leitor. Uma vez que isso aconteça, a leitura se mantem fluida, mesmo com pequenas imperfeições.

Até mesmo a anatomia, mesmo nos filmes de animação dignos de Oscar, não é perfeita.

Lembre-se que tudo é um processo, e no início você pode achar que não estão tão bons quanto gostaria. Mas persista e continue praticando, pois a cada vez você vai ver que fica um pouco melhor. E você também vai se surpreender em como as pessoas apreciam personagens que não são perfeitos.

Acredito que isso seja porque somos todos imperfeitos, e nos sentimos muito mais à vontade com o que é mais real. Eu já joguei muitos desenhos fora porque achei horríveis… e tenho uns que desenhei sem pretensão, em guardanapos, que guardo com carinho.

A dica que dou: sejamos gentis com os nossos erros e falhas, afinal ninguém é perfeito (e nem nossos personagens tem que ser). 🙂